"O texto é bem claro quanto às atribuições e coloca a inflação como central, isso pode ajudar a entender como é de fato sua atuação. Além disso, é possível que nos relatórios de inflação e nas atas do Copom [Comitê de Política Monetária] haja mais detalhes das análises e projeções para o emprego e para a atividade", afirma.
O economista-chefe da consultoria Análise Econômica, André Galhardo, concorda que o projeto destaca os objetivos do BC com clareza, mas também afirma que podem trazer mais pressões para que o BC olhe para a atividade e para o emprego.
"Isso não compromete a capacidade ou a autoridade do BC porque o próprio texto diz que ele precisa controlar a inflação. Embora também tenha de olhar para a atividade, não há prejuízo para a atribuição central, que é garantir o poder de compra da moeda", diz.
"Não vejo essa conivência do BC com uma inflação mais elevada porque formalmente precisará olhar para a atividade ou estimular o emprego, mesmo que haja uma pressão adicional do Poder Legislativo", afirma.
Galhardo também avalia que a oficialização das atribuições pode ampliar as análises nos comunicados do BC. "Se há preocupação, ainda que de forma secundária, com a atividade econômica, acredito que terá de mudar seus relatórios e incluir de forma mais detalhada essas questões", diz.
Eduardo Velho, da JF Trust Investimentos, pondera que hoje não há possibilidade de se fazer o mandato duplo —com inflação e emprego como atribuições principais— porque o país ainda não superou completamente o problema da inflação.
"Há pouco tempo tínhamos hiperinflação, o sistema de metas é relativamente novo. Com o amadurecimento da economia, com juros estruturais mais baixos e inflação controlada, podemos pensar em nos equiparar com países desenvolvidos, como o Fed [Federal Reserve, o banco central americano], temos um longo caminho pela frente", diz.
O banco central americano, além de preços estáveis, busca também estimular a criação de empregos.
Recentemente, o Fed indicou que deverá tolerar um nível de inflação acima da meta por alguns anos para que o nível de desocupação caia, dando maior importância ao mercado de trabalho, que foi afetado pela pandemia de Covid-19.
"Não vejo o BC brasileiro fazendo isso, deixando os juros a 2% ao ano para estimular o emprego em detrimento da inflação", diz Galhardo.
O professor e coordenador do Centro Macro Brasil da FGV-EESP, Marcelo Kfoury, também avalia que a mudança não afetará política monetária. "O BC consegue suavizar o ciclo [econômico], mas não criar demanda, então nesse sentido não teria tanta potência", diz.
"É importante destacar que pleno emprego não é máximo emprego, mas um nível de ocupação que não gere inflação. Estimo que esse patamar esteja entre 9% e 10%. Abaixo disso há impacto nos preços", afirma.
Segundo o analista, com a falta de mão de obra e a economia aquecida, a empresa remunera mais o funcionário e repassa os custos. Além disso, o consumo aumenta e a inflação sobe.
"Quando se segue uma meta de inflação, mantendo a economia estável, indiretamente você está olhando para o mercado de trabalho, então já está dentro do regime. Mas, se fosse mandato dual, seria mais leniente com a inflação", diz o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.
Para ele, incluir o emprego como atribuição principal seria prejudicial à economia.
"É contraproducente em um país com uma memória inflacionária forte. Quando tivermos uma economia minimamente mais desenvolvida, começamos a falar de mandato dual, quando a política monetária tem potência maior que a fiscal", afirma.